25/03/2008

21 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

UM NOVO OLHAR
Por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi

Ronald Duarte, artista carioca criando a obra Verde que te quero Verde, durante o denCidade


A área do conhecimento tida como Estética da Recepção, relativa em sua origem à teoria literária e aplicada, hoje, a todos os campos artísticos, nasceu numa conferência ministrada por Hans Robert Jauss, em 13 de abril de 1967. A partir de então, a arte deixa de ser explicada pela noção limitante da mimese e inclui outros princípios.



Jauss afirma que a arte não existe para confirmar o conhecido e sim para contrariar expectativas.



Próximos dos 41 anos da teoria, no bairro Nossa Senhora da Apresentação visualizamos exatamente todas as 7 teses elaboradas pelo pensador que valorizam o processo comunicativo da arte através do projeto denCidade, aprovado pelo edital Conexões Artes Visuais da Fundação Nacional de Arte (Funarte) e patrocínio da Petrobras.



Uma árvore seca pintada inteiramente de vermelho e uma carroça em chamas subvertem o sentido da natureza dos objetos e chamam atenção para a percepção estética e cheia de sentidos que a obra cria. Um corpo aparentemente desfalecido tomado por carnes e pedaços de plástico costuradas umas às outras contraria a percepção comum dos valores e da sociedade. Um marrete preso a um muro à espera da quebra das fronteiras. Sonhos e árvores plantadas na terra à espera da frutificação. Terra distribuída aos próprios moradores no questionamento de quanto ela vale? Terra pintada de branco na Rua da Paz. Um imenso cordão de garrafas pets arrastadas por garotos em bicicletas quebram o cotidiano em uma sirene de consciência e alegria. Cartazes colados nos muros e residências reafirmam e questionam, a um só tempo, a realidade e suas significações.



Várias outras ações são assimiladas pela comunidade que abre-se a um olhar examinador e pessoal provocado pelas obras distintas.



É justamente essa experiência do público, esse original olhar sobre as coisas, suas análises e comprovações de novos sentidos a sua realidade que estabelece com sucesso as intervenções urbanas realizadas por artistas comprometidos com a arte sim, mas comprometidos também com a vida, traduzidos com alegria por uma moradora: “Vamos continuar!”
FV
Publicado em 25 de março de 2008

19/03/2008

20 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

QUEBRANDO PARADIGMAS
por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi

Cartaz do denCidade. Arte Mário Rasec.

Edmond Couchot comenta no livro A Tecnologia na Arte que o “desejo de comunicação em estado puro, sem intermediário cultural, estabelecido sem desvio, do artista ao espectador” pode se manifestar de uma maneira intensa, mas para isso é necessário sair dos circuitos de difusão tradicional (galeria, museus, exposições particulares ou coletivas) e buscar um contato direto e o mais estreito possível com o público. “A arte desce de seu pedestal, quer conquistar a rua, quer se oferecer a todos.” Nesse sentido as intervenções urbanas, problematizam o senso de obra de arte.


A intervenção urbana designa ao artista um novo estatuto e coloca à arte um novo paradigma. Trata-se do artista etnógrafo. A arte transforma-se num mapeamento etnográfico de comunidades, porém diferente da ciência que colhe o dado e o analisa em ambiente asséptico, a intervenção urbana, é um gesto sobre aquilo que está em movimento, ela é provocativa do lugar, das pessoas. Os ganhos são urbanísticos, estéticos, políticos, cognitivos, éticos entre tantos outros.

É com esse conceito que percebemos o projeto denCidade, em realização, no bairro Nossa Senhora da Apresentação, Zona Norte de Natal. Vale salientar que congregar 23 artistas de vários estados brasileiros e com participação de artistas potiguares é uma das tarefas felizes desse projeto. Além de realizar esse intercâmbio artístico e agir diretamente no bairro, com o apoio e integração da comunidade e diversas entidades locais que o acolhem, com generosidade, como o Conselho Comunitário Nair Bezerra e Alvorada IV, o projeto possibilita o despertar da realidade através da arte.


A poética penetrante no espírito dos artistas é alcançar a apresentação da realidade como matéria bruta de criação o que sugere uma imersão e a definição de um caminho que só é percorrido através do firme propósito da afirmação crítica e social da arte.É preciso acordar para que o artista solicite e exija a libertação das energias expressivas reprimidas pelas instituições que existem também para contribuir na criação de novos conceitos, propostas, linguagens e vocabulários. Isso é urgente para um espaço-tempo reconfigurado há muito. Para tanto, sugerimos que a cidade é o campo de pesquisa; alimento para a construção de poéticas várias, e o denCidade é um exemplo pleno de todo esse processo.

Publicada em 18 de março de 2008

11/03/2008

19 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

CONVERSA COM CILDO MEIRELES
por Marcelo Gandhi, Jean Sartief e Sânzia Pinheiro
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O Fermentações Visuais traz, nesta semana, uma entrevista exclusiva com o artista Cildo Meireles, expoente da arte contemporânea brasileira e internacional.



Fermentações Visuais - Qual o papel da arte no mundo tomado pelo poderio econômico?

Cildo Meireles: A princípio quero crer que o melhor da arte é o que se faz a favor da utopia humana - criar condições para que o homem se torne melhor, em contrapartida com a barbárie cotidiana. Não acho o ser humano mal, a economia gera essa barbárie. Chegamos no limite, veja a questão dos automóveis e seus danos ao meio ambiente. A questão demográfica é outro grande problema no Brasil, devido às questões políticas que dificultam mais do que resolvem. Acho que o nacionalismo é nocivo ao ser humano, enquanto este não compreender que estamos no mesmo barco... pensar fraternalmente, a inexistência de fronteiras pode ser um caminho...

Fermentações Visuais - como você vê esses movimentos quase ou totalmente institucionalizados da arte contemporânea como as bienais, galerias, feiras?

Cildo Meireles: preciso refletir mais para ter uma idéia mais concreta disso enquanto artista... Na arte, bom ou ruim é sempre o trabalho do artista. As feiras interessam aos mercados; as bienais interessam aos curadores e artistas, mas esses níveis se interpenetram - A arte é um bom meio para criticar, mas o artista não pode perder seu foco nas suas reais necessidades e projetos. Eu sou muito individualista, pretendo que a instituição interfira o mínimo no meu trabalho. Negociar o máximo, criar uma simbiose entre ambos....para os artistas mais velhos é mais fácil se impor, agora para os mais jovens existem muitos limites. Uma coisa, arte pra mim é bandoleira: as instituições não compreendem... quanto mais regras menos favorece a prática artística... o estado até apóia, mas sem complicar demais... Os produtores, gerenciadores de projetos são meios importantes para os artistas agirem sem ter que ficarem à margem.

Fermentações Visuais - O que ele diria a um artista que esta começando?


Cildo Meireles: “Jovens envelheçam, envelheçam depressa... ” (citando Nelson Rodrigues) Tem que ter paixão! As pessoas falam de talento, obstinação...na maior parte da minha eu só acreditava no meu trabalho, é solitário mesmo! Não é uma carreira, é uma loteria! Desde pequeno minha mãe falava: “esse menino só vive com esses desenhos!” O artista tem que saber se é isto que ele quer! Tem que batalhar, acreditar até ter uma chance disso virar real.

Fermentações Visuais – o que pensa sobre a fala de Aracy Amaral (falamos das críticas elogiosas que ela fez a Meireles na sua palestra no 8 de maio, em Natal), sobre o futuro e a retrospectiva na Tate Gallery, em Londres, para 2008?


Cildo Meireles: Poxa! Eu fico feliz, honrado de ver que toda batalha vale a pena! Sinto- me recompensado. Sobre o futuro quero trabalhar...artista é como ciclista: pára quando cai! A retrospectiva cobre desde os anos 60 até os trabalhos mais recentes que estarão nessa exposição incluindo Missão/Missões (1990) e Desvio para o Vermelho (1986). Ao todo serão 6 ou 8 peças expostas. São peças grandes. Recebo essa retrospectiva de forma super legal. Ela veio através do Vicente (Todoli) que foi responsável pela minha primeira individual na Europa, no Instituto Valenciano de Arte Moderna, na Espanha . Depois expus em Portugal e depois nos EUA, em Bostom. Essas exposições no exterior me abriram muitas portas....a exposição da Tate Gallery acontece no dia 4 de outubro de 2008. A minha preocupação é que os trabalhos fiquem bem montados,o resto e conseqüência...
FV
Publicado em 11 de março de 2008

07/03/2008

18 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA


ARTE DESCOBERTA

por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi


Olho. M. C. Echer (1898-1972)

No livro Arte, Dor – Inquietudes entre Estética e Psicanálise, o psicanalista João A. Frayze-Pereira, comenta que no ensaio do filósofo Gerard Lebrun “A mutação da Obra de Arte” (1983) há uma busca para compreender a arte contemporânea não mais como uma contemplação dos trabalhos, mas como um estudo dos sinais que são apresentados, da realidade do entorno.


Segundo Lebrun, “A maior parte do tempo, uma imagem nos interessa porque indica alguma coisa que não está na imagem: pelo que nos deixa adivinhar, ou pelo que continua a ocultar. Somos muito mais os detetives do sensível do que os seus voyeurs”.


Com certeza essa busca que rompe o conforto já acomodado do olho gera bastante surpresa para os que se aventuram na busca das novas percepções e sentidos. Aprimorar o olhar e abrir os horizontes faz parte do caminho para penetrar no visível tal como a sobrevivência do cotidiano. É uma apuração.


Se as exposições aqui não investem em formação, em educação, em monitoramento, guias, textos, etc cabe ao público colocar para fora todos os seus questionamentos para facilitar o seu entendimento ao invés de silenciar e, por outro lado, gritar suas inquietações quanto a esse perfil de exposição que pressupõe um público já formado, com domínio pleno de tudo!


Se algo lhe choca, preste muita atenção a esse sentimento, a essas sensações advindas porque você terá, com certeza, indícios fortes de que é um valioso caminho para se entender e entender o mundo ao seu redor. As obras estão a seu dispor para serem degustadas e não consumidas como fast-food. Pergunte-se “O que busca o artista?” Lance um novo olhar às obras que você encontra! Aventure-se na descoberta de sair do seu ponto de conforto.


Acostumamos a silenciar e aceitar o silêncio como uma premissa de compreensão quando também se faz necessário impregnar o mundo com outras falas, olhares, contextos. Redescubra dúvidas e entendimentos. Frayze comenta que em toda a história da arte, nunca os artistas empregaram tanto o próprio corpo como na contemporaneidade como forma de gritar tudo a sua volta e o silêncio do expectador é recorrente. É preciso acordar do que nos dissolve em calmaria e no meio ao que se convenciona a agir politicamente correto.


Ao artista também cabe, de forma eloqüente, romper com a fragilidade institucional dominante possibilitando que o sensível que o envolve e desperta ocupe um lugar preponderante , provocador e sinfônico que torne o vazio repressor não percebido pelo cotidiano numa movimentação inscrita em sua própria alma e na alma de quem se permite a descobrir novos e velhos universos.
Publicado em 04 de março de 2008