30/01/2008

14 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

SALVEMOS A PINACOTECA DO RN!
por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi


Pinacoteca, seus dias estarão contados???? Foto: Jean Sartief

Em maio de 1968 aconteceu, na França, a famosa “revolução romântica” que desencadeou uma contestação global em meio a efervescência sociocultural que o mundo vivia após a Segunda Guerra. Estudantes tomaram conta de Paris em um movimento que causou estardalhaço ao sistema opressor e limitante existente. Exigia-se coerência, liberdade e democracia incorporando ao movimento a arte e a poesia. Os museus foram um dos alvos de contestação dessa revolução e gerou uma mudança no posicionamento e ação com o público.


Em seu livro, Entre Cenografias – O museu e a exposição de arte no século XX, a professora de arte da USP, Lisbeth Rebollo Gonçalves, analisa que a partir desse momento histórico, os museus como instituições intocadas são colocadas em questionamento, num desejo profundo de arejamento, simbolizando uma concepção de museu aberto como instrumento de difusão e comunicação em ligação direta com a vida urbana.


Passados 40 anos e uma série de outras manifestações, e novas conceituações dos museus, encontramos nas terras potiguares a básica luta pela defesa de uma instituição como a Pinacoteca, no Palácio da Cultura, quando deveríamos estar batalhando pela sua melhoria crescente, pela ampliação do acervo, pelo treinamento adequado aos funcionários e contratação de profissionais competentes para administrá-la ao invés de termos que juntar esforços para conscientizar o poder público da necessidade de manutenção desse ícone de nossa identidade cultural.


A Pinacoteca do RN como outros museus sobrevivem ameaçados de extinção. Os museus de arte pelo mundo todo investem em atrativos e se constituem em equipamento educacional. A Pinacoteca, prédio neoclássico, que abriga a história das artes visuais do RN, o maior e talvez melhor acervo do Estado encontra-se ameaçada. Investir no Museu Pinacoteca valoriza o potiguar, que passa a conhecer mais da sua história. São inúmeras as experiências na qual há um empenho real para se documentar, agregar e formular uma logística que dê movimento ao arsenal cognitivo e cultural.


O Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, com projeto de Marcelo Dantas, apresenta informações textuais e visuais da língua portuguesa em suportes lúdicos, usando e abusando dos recursos como o vídeo e a fotografia. Contam ainda com a presença de bons monitores e de uma exposição do acervo que muda a cada dois ou três meses. A proposta de transformar o prédio da Pinacoteca em estrutura política é uma visão típica dos políticos do RN que não enxergam uma a arte como a alta expressão de um povo e não somente como estratégia política.


Vamos nos questionar por que existe tantos editais para museus no site do MINC? Por que há um movimento mundial de criação e não de fechamento de museus? Como exemplo, Pirâmide do Louvre, Paris/1989, o Museu de Arte Moderna de Frankfurt, Alemanha/1990, o Grand Pallais de Lille, França/1994; Museu de Arte Contemporânea de Bilbao, Espanha e o Tate Gallery of Modern Art, Londres, ambos de 2000 e aqui lutamos para manter viva a nossa Pinacoteca com seu acervo precioso (em péssimo estado de acondicionamento, com obras de Leopoldo Nelson, literalmente se desfazendo). Ainda não acordamos para a contemporaneidade. Ainda somos uma fazenda iluminada ao invés de iluminarmos e valorizarmos a nossa arte e nossos artistas.


Segundo Aracy Amaral, Leonor Amarante, ÍBIS Hernandez e outros curadores que aqui estiveram, o prédio da Pinacoteca é próprio para tal. Possui um pé direito capaz de abrigar grandes exposições. Não há outro no Estado! Temos a essência, a vontade de liberdade e luta pela arte!

EM 29 DE JANEIRO DE 2008

26/01/2008

13 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

PARA QUE SERVE A ARTE? - por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief e Marcelo Gandhi

Obra de Sayonara Pinheiro


Estamos na primeira década do século XXI e as artes visuais do RN carecem de desenvolvimento. Não é devido à ausência de artistas antenados com a produção atual. Tivemos Zé Frota e Nuno Rama contemplados com o Prêmio Porto Seguro – um dos melhores em fotografia no Brasil. Marcelo Gandhi mapeado pelo Itaú Cultural. Guaraci Gabriel e Sayonara Pinheiro participando de bienais internacionais. João Vianei integrando a Quienal de gravura.


No final da década de 70, Jota Medeiros, transformou o suplemento cultural Contexto, do jornal A República, num veículo das mais diferentes tendências da arte e da literatura que se praticava no mundo. Esse artista integra o acervo do MAC/USP e está no livro Poéticas do Processo, de Cristina Freire, além do Poema Processo. Isso sem falar em inúmeros outros artistas premiados pelo Brasil.


O nosso maior problema tem sido as instituições, o pensamento limitado existente por muitos dos que administram e trabalham sem treinamento adequado, e burocracias ininitas. Temos um salão que tem o mérito de 11 anos de existência e que até agora deu passos tímidos dentro de um formato tradicional que pouco fomenta a produção.


O curso de artes visuais da UFRN não aposta na formação de artistas e sim, de professores. Você pode encontrar na página do site da coordenação do curso, notícias do Supremo Tribunal Federal, eventos jurídicos e link para a base “Lógica, Conhecimento e Ética”, nada contra! Até gostamos de lógica, mas sobre artes visuais!


Os espaços expositivos disponíveis, em sua maioria, não possuem um projeto administrativo, voltado para o fomento nem profissionais treinados. No máximo têm-se um edital. A Pinacoteca do Estado corre o risco de ser desapropriada, pelo próprio governo, após centenas de exposições, salões e mostras no Palácio da Cultura. O acervo dessa instituição possui em torno de 800 obras sem acondicionamento. Para que serve a arte no RN?


Na história da humanidade aquilo que reconhecemos como artes visuais têm desempenhado um papel fundamental. A partir do renascimento, os artistas passaram a produzir uma arte que vai além da decoração. As pinturas, painéis e esculturas são, assumidamente, expressões de pensamentos. Produção de conhecimento! Os artistas estavam na categoria intelligentsia, ao lado de cientistas, filósofos e poetas e assumiam a construção de um novo mundo. A perspectiva nas telas retoma as questões dos filósofos gregos e conduzem a uma retomada do humano e da racionalidade.


No início do século XX, as artes visuais dão visibilidade a desintegração do mundo e a ausência da ordem proclamada pela ciência newtoncartesiana. Na virada da 2ª metade do séc. XX, os artistas participam da ressurreição do cosmos, e fazem uma arte desmaterializada, comprometida com a vida. Lygia Clark, Joseph Beuys, Marcel Duchamp, Hélio Oiticica, Robert Rauschenberg, entre outros, passam a produzir uma arte capaz de provocar o desenvolvimento humano.


E essa é a questão aqui! Arte como desenvolvimento da capacidade criativa. Arte como meio para a reorganização do pensamento a partir de uma lógica que admite a contradição, o terceiro, as ambivalências, a liberdade e o inacabado. Pois são esses alguns termos da dinâmica do agora. Uma das características da arte contemporânea é o hibridismo, exigindo do observador o exercício do pensamento relacional tão caro a criação. Agora, para que serve a arte no RN?


EM 22 DE JANEIRO DE 2008

12 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

DA ADVERSIDADE VIVEMOS! - por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief e Marcelo Gandhi

cartaz da mostra Nova Objetividade Brasileira.


Hoje, trazemos um resumo de um texto histórico de Hélio Oiticica, publicado no catálogo da mostra Nova Objetividade Brasileira, em 1967, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O artista aponta a antropofagia (1928), como decisiva para a chegada (em 1960) da Nova Objetividade. Sugerimos a leitura do texto, na integra, (via internet) como mais um grão energético no desenvolvimento da artes visuais do RN.


Os 6 pontos apresentados por Oiticica, geram a reflexão de o quanto as nossas instituições estão aquém do processo brasileiro, pois são atualíssimas, então vejamos:


1- Vontade construtiva geral. Somos um povo à procura de uma caracterização cultural e isso nos diferencia do europeu (peso cultural milenar) e do americano (solicitações super-produtivas). A Antropofagia seria a defesa contra tal domínio exterior, e a principal arma criativa; o que não impediu, uma espécie de colonialismo cultural, que deseja-se ver abolido. Aqui o convite é para o mergulho na nossa cultura. Uma pesquisa aos modus cascudiano. Um microscópio num olho e o telescópio no outro.


2- Tendência para o objeto, ao ser negado e superado o quadro de cavalete. O fenômeno do fim do quadro de cavalete, e surgimento oposto da criação de relevos, antiquadros, até as estruturas espaciais ou ambientais e a formação de objetos, numa linha continua, até a eclosão atual. Oiticica analisa a transformação dialética vivida por Lygia Clark, Antônio Dias, o grupo do Realismo Mágico de Wesley Duke Lee e Waldemar Cordeiro (e outros) que com o Popcreto trazem o conceito de 'apropriação'.


3- Participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica etc.). Há 2 formas de participação: uma envolve "manipulação" ou "ação sensorial-corporal" e a outra, uma "participação semântica". Estas buscam uma totalidade, envolvendo os dois processos; isto é, não se caem no puro mecanismo de participar, mas concentram-se em significados novos, distinguindo-se da pura contemplação.


4- Abordagem e posicionamento em relação a problemas políticos, sociais e éticos. Cabe aoartista procurar o pleno envolvimento; erguer alicerces de uma totalidade cultural operando mudanças na consciência do homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passa a agir sobre eles usando os meios que lhe afloram: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atingir essa transformação etc. O artista torna-se modificador também de consciências (no sentido amplo, coletivo).


5- Tendência para proposições coletivas e abolição dos "ismos", típicos da primeira metade do século XX, (que pode ser englobada no conceito de "arte-pós-moderna", de Mario Pedrosa). Há 2 maneiras de propor uma arte coletiva: a primeira, seria a de jogar produções individuais em contato com o público das ruas (claro que produções que se destinem a tal, e não produções convencionais aplicadas desse modo) – outra, a de propor atividades criativas a esse público na própria criação da obra. A arte coletiva está ligada intimamente ao problema da participação do espectador.


6- Ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte. O problema poderia ser enfrentadocom a pergunta: Para quem o artista faz a sua obra? Vê-se, pois, que sente esse artista uma necessidade maior, não só de criar, mas de comunicar algo que lhe é fundamental. Uma comunicação em grande escala e não para uma elite reduzida a experts, mas até contra ela, com a criação de obras não acabadas, "abertas”, como ponto fundamental no conceito de antiarte.


Oiticica finaliza com uma frase que acredita representar o espírito da "nova objetividade" (síntese de todos esses pontos). Ei-la: DA ADVERSIDADE VIVEMOS!


EM 15 DE JANEIRO DE 2008

11 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA


TODOS NÓS PODEMOS TER UMA OBRA DE ARTE! - por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi


A aquisição de obras de arte é um dos processos mais interessantes que existe dentro de todo o sistema. Trata-se não somente de uma possibilidade comercial, mas uma atividade que garante trajetórias múltiplas. A obra já saiu unicamente do arcabouço de ter que dar vida a ambientes. Hoje, também pode ser percebida como um investimento financeiro levando-se em consideração que com a trajetória do artista e seu crescimento no mercado, a obra adquirirá um valor comercial maior, além de ser um reflexo de uma sociedade, de um tempo, de uma vivência maior no qual tanto você como o artista estão inseridos.

Uma outra vantagem é que não é preciso ter muito dinheiro ou conhecimento aprofundado para iniciar uma coleção de obras de arte. Você pode começar estudando a trajetória de um artista dentro de sua cidade e fora dela. Pode freqüentar as exposições e partir para a leitura de textos sobre arte local ou mesmo conversas com amigos que tenham um aprofundamento maior. Visitar sites especializados, ir a galerias e leilões, também ajuda na descoberta de bons artistas e obras. Se deseja estudar um pouco mais sobre a história da arte, aventure-se pelas páginas da Taschen, a maior editora de livros de arte do mundo, que trouxe ao mercado livros excelentes com preços competitivos.


Você também pode se aventurar em programas e exposições, existentes em várias cidades, que favorecem a compra parcelada e criam até mesmo um clube no qual se recebe obras como retorno do investimento associado. Como exemplo, há o Clube de Colecionadores de Fotografia e o de Colecionadores de Gravura, ambos do Museu de Arte Moderna, MAM, de São Paulo.
Muitas vezes com o dinheiro empregado em obras vendidas em corredores de supermercados, shoppings e feiras de artesanato, poder-se-ia estar adquirindo obras com qualidade expressiva dentro do circuito artístico, ou seja, trabalhos bem desenvolvidos por artistas que têm uma trajetória, uma pesquisa e um trabalho mais consolidado.


Esqueça aquela antiga mania de combinar obra com sofá! Isso é cafonérrimo em todos os sentidos! Isso é uma perda de tempo e de dinheiro. Quando se adquire uma obra de um artista com trabalho expressivo você adquire uma obra que tem um valor especial além de seu próprio valor de compra/venda. Fará parte da sua história pessoal e identificação com o artista ou do momento único vivenciado.


A inexistência de um mercado de arte consolidado em uma cidade também transmite uma idéia das relações culturais existentes. Um público que favorece a compra de obras dos artistas, sejam esculturas, pinturas, livros, música (CDs), fotografias, desenhos, gravuras etc estimula não somente o próprio mercado, como a carreira de um artista. Vale um questionamento de como Natal se situa nesse meio? Como você consome a arte produzida aqui?


Com uma atividade constante, o mercado aprimora-se, profissionaliza-se e oferece o melhor desde a própria concepção de uma exposição até mesmo à qualidade das obras ofertadas. O artista por sua vez, tem possibilidades reais de continuar a investir no seu trabalho, aprimorar suas pesquisas, realizar intercâmbios, enfim estudar e aprofundar-se dentro do circuito de arte e isso significa que a obra que está pendurada na sua parede também se valoriza.


Uma outra boa tacada é investir nos artistas novos que começam a destacar-se no meio. Muitas vezes as obras têm preços acessíveis e você evita a tentação de decorar sua casa, seu escritório com obras de gosto duvidoso ou de somente ter a velha guarda artística na sua parede. Além de tudo, os novos artistas representam a transformação, um novo olhar sobre a arte e o mundo. Não tenha medo de ousar um pouco mais na sua parede e quem sabe, em pouco tempo, você terá um acervo interessante e valioso para deleite próprio ou para matar de inveja qualquer um.


EM 08 DE JANEIRO DE 2008

10 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

AO POSICIONAMENTO CRÍTICO CRIATIVO - por Sânzia Pinheiro, Marcelo Gandhi e Jean Sartief

Poema Processo - Falves - 40 anos


Iniciamos o ano de 2008 com uma reflexão que se constitui no nosso desejo mais profundo para o desenvolvimento das artes visuais no Rio Grande do Norte. Para tanto trazemos o poema-processo. O que nos interessa nesse momento é a proposta, sua lógica, sua conexão maior porque, acima de tudo, ele tratou do posicionamento crítico criativo de uma geração que viveu conscientemente a transformação radical do cotidiano, das relações humanas e do espaço-tempo.


O movimento, que tem muito a ensinar aos jovens artistas contemporâneos, mergulha no vórtice provocado pelos anos 50 e 60, extinguindo-se em 1972, liderado por Wlademir Dias –Pino e lançado em Natal e no Rio de Janeiro simultaneamente.


O Brasil vivia um clima extremamente repressor ao mesmo tempo que incorporava ao seu cotidiano a máquina de xerox, a off-set, o mimeógrafo, o computador, a televisão (que ocupava um lugar na sala e passava a fazer parte da família) e a divulgação do uso de códigos não-verbais desenvolvendo a linguagem visual. Nesse período, em 1967, Ilya Prigogine, poeta da termodinâmica, traz ao mundo a teoria das Estruturas Dissipativas ou Teoria do Devir e defende uma metamorfose dos processos determinados para indeterminados; de reversíveis para irreversíveis.


É na direção desse espírito que os artista do movimento se vinculam. Entendem que a estrutura está em função do processo, subordinada a ele. É para a problemática do processo que se voltam. Rompem com a poesia tipográfica. Operam a cisão entre língua (palavra e estrutura) e linguagem (visualização do processo). Trata-se das possibilidades dos signos não-verbais.


Os poetas-processos questionavam o consentimento dos poetas discursivos em produzir sob a ação da censura e de utilizar procedimentos poéticos comprometidos e ultrapassados. Eles rompem com a palavra, mas não a negam, pois ao movimento interessa os novos códigos e os processos que são capazes de gerar. Poema/processo é aquele que, a cada nova experiência, inaugura procedimentos criativos. As informações podem ser estéticas ou não. Trata-se da luta histórica (dadaísmo, surrealismo, neoconcretismo...) do artista contra as estruturas fixas.


A realidade é a matriz que traz as possibilidades de evolução do processo e ocorre em todos os níveis, seja físico, químico, biológico, cultural ou semiótico. Inclui o desencadear dos objetos no tempo de consumo social. A obra deve instaurar novos meios de criação por relações mais amplas, como a teia da vida abre-se a cada instante e uma multidão de novos encadeamentos se realiza simultaneamente.


Não é o conteúdo da realidade que o poema/obra informa, mas o próprio processo dinâmico de atualização. Vê o leitor como um criador. Nega exclusividade ao poeta, lidando com a contradição entre a reprodutibilidade e criatividade: por um lado a reprodutibilidade é mantida; por outro, cada leitor ao explorar a proposta, cria suas próprias versões, instaurando novos caminhos. Todo poema deixaria aberta a possibilidade do leitor/observador criar a sua versão, manipulá-lo e interferi-lo.


Os muitos registros das obras desse movimento são projetos. Os teóricos compreendiam que o projeto liberava o artista das limitações materiais e permitia utilizar os meios técnicos disponíveis, dando ao artista o uso de várias áreas de conhecimento. Um antiindividualismo ao exigir trabalho coletivo, em que cada um mobiliza-se para fora dos limites de sua especialidade.


“"O importante é que sejam funcionais e, portanto, consumida. É preciso fundar possibilidades criativas" - essa afirmação de Moacy Cirne, sintetiza o compromisso e o objetivo desse movimento. Cremos que a melhor homenagem que podemos fazer é manter vivo o espírito dinâmico do poema processo e dessa forma, resultar numa produção da arte visual potiguar tão forte quanto a nossa própria história. Feliz 2008!


EM 01 DE JANEIRO DE 2008

9 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

DOS EDITAIS E OUTROS MEIOS - por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief e Marcelo Gandhi

Janelas. Fotografia digital. Jean Sartief. 2006

Pode-se dizer que nos últimos tempos os programas de incentivo e fomento a artes visuais tem se multiplicado. Algumas vezes estas propostas nascem de projetos institucionais de empresas privadas, noutras são de instituições públicas e há ainda as propostas independentes e os programas de ocupação de espaços expositivos, todos objetivando tanto intensificar o interesse do público como promover o desenvolvimento de artistas, revelar novos talentos e proporcionar o desenvolvimento de inúmeros segmentos artísticos.


O Brasil apesar de viver um momento em que a cultura abre-se para o mercado, ainda não possui programa em que seja possível a experimentação ou o desenvolvimento de um trabalho sólido que demande tempo, pesquisas e acompanhamento, algo a longo prazo... um dos ônus da contemporaneidade é o imediatismo.


Dentro desse sistema existe, na maioria das vezes, o lançamento de editais para concorrência de artistas, que serão avaliados segundo critérios – que nem sempre são compreensíveis, mas que funcionam (ou deveriam funcionar) como diretrizes para o processo seletivo. A grande questão é que esses referenciais não são explicitados. Dessa forma, muita gente boa fica do lado de fora sem saber por qual motivo, muito mais num processo excludente do que algo que promova o fomento. Às vezes fica a impressão de que se a porta fica fechada, a janela estará lacrada!


Para o artista, mesmo tateando diante desse pequeno universo, fica uma questão a saber: o que vale a pena e o que pode ser descartado? O edital é fundamental para isso, mas é importante avaliar a cronologia histórica do programa, verificar as exigências do regulamento, perceber como lidam com o conceito que norteia a proposta, a premiação, obras expostas anos anteriores, participantes e artistas premiados, além dos profissionais envolvidos, atentar à produção de materiais complementares como catálogos, material gráficos, vídeos etc. Enfim, estar atento se os interesses dessas instituições e os seus, como artista, se conjugam.


Algumas propostas se firmaram como diferenciais e norteadoras do cenário artístico brasileiro, uma delas é o Rumos Itaú Cultural. O Rumos é um programa que atua (desde 1997) em várias linhas artísticas, desde a dança, música, literatura, jornalismo cultural, artes visuais etc com a intenção de valorizar diversas expressões e principalmente, abarcar todas as regiões do país, com pesquisas aprofundadas e acompanhamento.


Ainda nesse contexto, há o prêmio CNI/SESI Marco Antônio Vilaça, que vem se solidificando no cenário artístico e contempla apenas 5 artistas brasileiros a cada edição bienal e também há o já estabelecido Prêmio Sérgio Motta. É importante estar atento a algumas instituições que vêm desenvolvendo programas consistentes de incentivo e exposições como a Petrobrás Artes Visuais e o Centro Cultural Banco do Brasil. Além da FUNARTE que abriu edital para seus espaços expositivos com pequenos incentivos. Esse ano a novidade dessa instituição foi o Conexões que disponibilizou uma verba para projetos que contemplassem o desenvolvimento das artes visuais.


Editais de bolsas e residências internacionais, são uma outra alternativa que tem surgido. Os países de uma maneira geral têm investido em intercâmbios. Outra saída é fortalecer-se nos coletivos para viabilizar trabalhos. Assim galera, estejam atentos! A internet é uma ferramenta fundamental nesse processo, seja para buscar edital, salões etc (e há muito site interessante disponível para isso) ou para inserir-se na rede em movimento permanente.


EM 25 DE DEZEMBRO DE 2007

8 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

RIO GRANDE DO NORTE NA REDE DA FUNARTE - por Marcelo Gandhi, Sânzia Pinheiro e Jean Sartief



Oficina Marcelo Gandhi


Até 21 de dezembro, a Rede Nacional Funarte Artes Visuais passa pela quinta e sexta fases de execução dos intercâmbios e práticas artísticas. Artistas, pensadores e críticos de arte de origens e tendências estéticas diversas realizam interações com outros artistas gerando não somente a troca e amadurecimento de vivências, de idéias e técnicas como também estabelecendo o fomento às artes visuais locais.

As ações são focadas em vários suportes e linguagens como vídeo, instalação, intervenção urbana, fotografia, vídeo-arte, site specific, arte e tecnologia, gravura e performance, entre outras, por meio de parcerias públicas e privadas com instituições locais e possibilitam a ampliação e a democratização do acesso às técnicas e teorias da área.


O RN marca presença com 3 oficinas. Em Mossoró, aconteceu o workshop de performance com o artista paulista André Komatsu, em Caicó a oficina será com a artista carioca Júlia Csekö e em Natal esteve o paulista Nazareno Rodrigues Alves.


Ainda do Rio Grande do Norte, Marcelo Gandhi e Sânzia Pinheiro (companheiros de escriba desta coluna) foram convidados para viajar a Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR) respectivamente.


Gandhi partiu do conceito de hipertexto e remix como amálgama e metáfora para a mistura racial em Porto Velho e todas as suas diversas expressões entre os artistas locais.

“Realizamos uma vídeo-entrevista com a temática da mistura de raças; elaboramos um ensaio fotográfico com imagens de Porto Velho sob um enfoque bem íntimo. Houve uma ação do fotógrafo Vilela usando a sua roupa como suporte para um ensaio com comunidades ribeirinhas. O artista Júlio saiu com um cântaro na cabeça, tanto ele como o cântaro tinham as cores do Brasil. No dia do happening, queimamos fogos como elemento estétic; colocamos bases eletrônicas e cantamos musicas abertas sem preocupação estilística dando vazão pra livre expressão. Fizemos uma pintura coletiva com açaí; queimamos velas e incensos. Convidamos o público passante a participar pois o happening acontecia nas escadarias da universidade de Rondônia...”

Sânzia levou a discussão sobre a arte contemporânea como desdobramento do espaço moderno e as novas temporalidades da sociedade atual, provocando um olhar sobre as matrizes culturais, buscando percebê-las no contexto da sociedade contemporânea e da cidade como tabuleiro de um jogo criativo.


Para o paulistano André Komatsu, a abordagem partiu das referências da própria cidade. “O objetivo da oficina foi realizar uma conversa entre o artista ministrante e os artistas participantes. O conceito é de que o centro está em todo lugar, em que o local físico pouco determina. Usamos a real localização, valendo a troca de idéias e a conectividade de informações, criando assim um coletivo temporário. A partir daí seguiu-se o desenvolvimento do workshop, com observação da cidade. Peguei pontos referenciais do cotidiano do povo como a festa de Santa Luzia.”


Vale lembra que ao final de cada fase é produzido, para distribuição gratuita, o CD Rom "Cronologia da Arte no Brasil – Séc. XXI" dos trabalhos executados. Para 2008 espera-se que a rede de artes visuais seja ampliada, continue no processo de fortalecimento e democratização da arte contemporânea brasileira e invista dos canais de divulgação dos eventos, que é ainda um dos pontos a ser melhorados.

EM 18 DE DEZEMBRO DE 2007

25/01/2008

7 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

MILITANTES DA ARTE - por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief e Marcelo Gandhi


Artistas em protesto contra as câmeras de vigilância, em SP.


As obras de arte de uma civilização são criadas por um processo mental no qual o autor reconstrói o mundo percebido num espaço simbólico, refletindo percepções de mundo, dando ênfase e significado as diversas propriedades visuais e táteis. O crítico Luís Camilo Osório, afirma que os artistas contemporâneos são militantes de um novo mundo, de práticas políticas que ocupam o espaço vazio deixado pela “queda do muro de Berlim”. As reflexões sobre os coletivos nos possibilitam enxergar formas mais contundentes de lidar com o sistema e a própria sociedade.


A partir de 1990/2000 surge uma proliferação dos coletivos de arte, entendendo que as obras são resultados dos esforços de múltiplos agentes na criação de espaços híbridos, fluidos e permeáveis a modelos de pensamento não-regulados para criar vias de “mediação” culturais que gerem desautomatização. Atuam, em sua grande maioria, nas cidades, expondo e propondo questões às políticas do espaço urbano, aos limites (multiculturalismo), à violência, ao isolamento das pessoas, à fragmentação e às relações aí configuradas.


Lidar com a coletividade individualmente também é uma opção de muitos artistas que trabalham no espaço público e passam a resignificar a cidade, a urbanização, os encontros e desencontros possíveis entre ele e o outro. A obra se faz e o expectador torna-se diretamente envolvido já que não é mais só um expectador, mas um partícipe direta ou indiretamente.


Tomemos como exemplo, Margarita Piñeda, artista visual da Colombia que participou da IX Bienal de Havana com a obra Cartografías del Arraigo. De posse do mapa da cidade, nas praças e esquinas, convidava as pessoas a indicar em seu mapa os percursos que elas realizavam cotidianamente. Margarita propõe ao participante uma troca de blusas: a velha por uma nova. Na roupa usada o participante bordará seu percurso.


Cria-se um dialógo entre as pessoas e suas práticas e percursos diários dentro dessa coletividade. Ao bordar seu percurso, o indivíduo toma consciência de coodernadas que marcam diferentes espaços percorridos no dia a dia automatizado: territórios afetivos, de crenças ou práticas religiosas, de memórias e recordações. A artista cria uma situação de educação ao provocar no outro uma auto reflexão. Abre uma possível reorganização/desautomatização do olhar e do caminhar do sujeito na cidade.


Bijari, Branco do Olho, Brócolis, Catadores de Histórias, Cenadinâmica, Cia Cachorra, B.A.I.A., Corpo Informático, Esqueleto Coletivo, Projeto Chã, Entorno, GIA, EIA, Entretantos, Grupo Dragão, Grupo Poro, A Revolução Não Será Televisionada, Espaço Coringa, Horizonte Nômade, NEOTEO, Zaratruta, Agora/Capacete e Transição Listrada são alguns dos coletivos que transitam na cena contemporânea brasileira. E quem são eles? São jovens e adultos. Trata-se de uma tribo que não se contenta com a estrutura limitada que existe no meio e vão além. Alguns até referem-se às práticas artísticas como “guerrilha urbana”.


Os coletivos possibilitam uma forma de organização que liberam a mensagem, o sonho, o grito, a denúncia, o lúdico, as novas formas artísticas e a manifestação da cidadania através da arte. E você, jovem artista urbano... por que não cria um coletivo em sua cidade?


Em 11 de dezembro de 2007

6 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

AÇÕES MULTIPLICADORAS DEFININDO NOVOS CAMINHOS
por Marcelo Gandhi, Sânzia Pinheiro, Jean Sartief


Coletivo Ação Multiplicadora

Cada um traz em si infinitas possibilidades de ação em qualquer área. Trazemos dois exemplos de como os artistas modificam sensivelmente o tradicional sistema de arte através de conceitos de rede, de multiplicação, vivências, democratização e inovadoras formas de pensar salões, exposições etc.



O primeiro deles é da experiência vivida pelo coletivo Ação Multiplicadora, formada por artistas de São Paulo, Fortaleza e de Natal, entre eles, Marcelo Gandhi.



O Ação Multiplicadora foi criado com o objetivo de propor exposições coletivas que permitam reflexões sobre as questões discutidas pelo grupo, que baseia-se nos fundamentos da questão rizomática, proposta pelos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari.


O conceito vem, segundo Cristine Greiner - uma das maiores decodificadoras da obra dos filósofos, de um modelo inspirado nas ramificações e germinações existentes na natureza. Trata-se de algo que não enraíza com um único ponto focado, mas de um processo que gera originais formas de vida, de agrupamentos, de ramificações, tal qual o hipertexto, em um paralelo contemporâneo, onde as propostas se universalizam sem centralização, mas com movimentos, ações, focos simultâneos que geram novas configurações e assim por diante.


No Ação Multiplicadora, a relação com o curador, situa-se no plano da cooperação; da parceria nas atividades que vão da formação de um texto até o processo de seleção das obras. O grupo alcança ações mais coesas em significações e processos resultantes do próprio hábito de troca de idéias, discussões, leituras de textos, reflexões e questionamentos à base de reuniões leves regadas a chás, pãezinhos recheados e frutas. Para Marcelo Gandhi: “Somos artistas no mundo de tecnocratas tentando encontrar caminhos, meios e mídias nos quais as idéias circulem sem censura ou qualquer tipo de redução e essa é a linha das exposições apresentadas”.


Dessa forma as práticas artísticas vividas pelo grupo se expandem, multiplicam-se. Trata-se também de um retorno a uma postura orgânica, por isso a comida é elemento presente como forma de congregação. “Estamos nos voltando para a organicidade que os índios vivenciaram e nós perdemos porque nos separamos de nós mesmos e depois do mundo”, completa Gandhi.


Percebe-se, inovações dentro de um mecanismo tradicional, originando outros meios de ação. Um exemplo inédito dentro dos sistemas de arte foi criado por artistas participantes do Terra Una. O coletivo é uma associação sem fins lucrativos - uma ecovila situada na serra da Mantiqueira, em Liberdade/MG. O grupo, com 20 profissionais de diversas formações, atua nas áreas artística, ambiental e da socioeconomia solidária com várias ações e parcerias, entre elas, a famosa Rede de Economia Solidária Flor & Ser – uma rede de trocas com mais de 100 participantes no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, com muitos artistas integrantes que já a multiplicaram em diversas outras cidades. Mas a novidade artística do coletivo é o Projeto Interações Florestais, selecionado pelo edital Conexão Artes Visuais MinC/Funarte/Petrobras 2007.


Trata-se de uma residência artística eco-social, que acontecerá em 2008 para 10 artistas. O que chama a atenção é o processo de seleção. Os dez projetos a serem contemplados, do total de 156 enviados por artistas de todo o país, serão selecionados pelos próprios artistas (juntamente com o Conselho). A seleção é pela internet com envolvimento ativo dos artistas em discussões e reflexões no site do grupo.


Dessa forma, cria-se no Brasil uma nova vivência. Criam-se modelos participativos, possíveis e de liberdade rizomática, muitas vezes lúdica, leve e definindo outros trajetos para o futuro.
Em 04 de dezembro de 2007

5 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA FEIRA

PROPOSTAS REAIS DE NOVOS MODELOS DE ATUAÇÃO ARTÍSTICA
por Jean Sartief, Marcelo Gandhi e Sânzia Pinheiro


SPLAC - EIA



Uma das grandes possibilidades do nosso tempo é a liberdade de criação e implementação de ações, conceitos, idéias, hábitos, posturas, envolvimentos e principalmente a disseminação de informações que geram novas práticas produtivas, intelectuais e criativas. No campo artístico isso também é uma prerrogativa da arte contemporânea quando falamos na arte urbana. No País, salões independentes estão criando um novo conceito de arte no qual o coletivo e o individual caminham juntos sem conflito, uma vez que o objetivo é sempre maior: a consciência cidadã através da arte e assim a consciência artística através da cidadania.

Muitos teóricos já o rotulam como artivismo ou arte ativista esse braço contemporâneo de incorporar na criação processos sociais, políticos, antropológicos, filosóficos, ambientais de forma crítica. Claro que muitas ações, obras e manifestações seguem estruturas próprias, criadas pelos artistas que não abarcam o conceito institucional legalizado como obra de arte, mas isso é a última preocupação dessa turma.

Citamos dois exemplos de vivências coletivas nos quais participamos diretamente e trazemos aqui essa experiência de formação de uma arte crítica consciente com seu tempo, do seu entorno, libertária e questionadora acima de tudo, inclusive de si mesma. Uma das experiências é vivida pelo artista Marcelo Gandhi (Ação Multiplicadora) e a outra por Jean Sartief (EIA).

A Ação Multiplicadora é um coletivo de artistas de São Paulo, Rio Grande do Norte e Fortaleza,com o objetivo de estimular conversas sobre arte contemporânea, trocar idéias, fazer amigos, e a partir disso organizar exposições coletivas. O grupo trabalha com a questão rizomática, por isso multiplicadora...e com embasamento de estudiosos como os filósofos Gilles Deleuze e Félix Gatarri, ou seja, o processo de criação, mesmo seminal envolve reuniões, leituras,chazinhos, discussões, e a parte prática da coisas que são as mostras dos trabalhos.

A primeira exposição do grupo aconteceu no Muna (Museu de Arte de Urbelândia) onde ocorreu discussões, oficinas e outras ações. Olhando a exposição como um todo, nota-se muito mais uma coesão entre curadoria e artistas do que a especialização das partes envolvidas sem, contudo, esquecer a própria instituição. O Ação Multiplicadora revela um sintoma interessante: o questionamento dos meios institucionais e a presença do curador como árbitro. Questionando isso, o grupo propõe o fim dessas especializações, e mais ainda, uma aglutinação de todas as partes envolvidas, com igual valor. Vemos isso como uma proposta de inserção e não, desintegração.

O Experiência Imersiva Ambiental, EIA, é um coletivo formado por artistas de diversas áreas e formações que trabalham congregando idéias e ações que provoquem e instiguem, de forma direta ou indireta, no cidadão uma reflexão sobre uma diversidade de temas a partir das afinidades dos artistas com as linhas de ação pessoais - o que já denota uma liberdade do coletivo dentro do individual e vice-versa. O grupo se reúne semanalmente trazendo discussões temáticas do que acontece na cidade e no mundo e com cada um. Dessa forma os artistas vão mapeando, reunindo, promovendo, denunciando, viabilizando e propondo ações que têm como denominador comum o espaço da rua.

O EIA tem como princípio a arte urbana e a liberdade de expressão sem julgos curatoriais. Para tanto fazem parcerias com vários coletivos e artistas do Brasil e realiza o Salão do EIA, evento anual em São Paulo que congrega artistas de todo o País para realizar ações de arte na cidade e arredores. Da mesma forma age o GIA (coletivo de Salvador inspirador de diversos outros grupos, inclusive do próprio EIA), um dos pioneiros na implementação desse modelo de salão de ação urbana cuja a premissa é criar um espaço próprio para que os artistas possam trocar experiências e dialogar através de vivências imersivas nas cidades onde se realizam os salões, criando um intenso intercâmbio cultural, e é essa prática vivencial a fonte de pesquisa,criação e atuação, dentro do espaço público.
Em 27 de novembro de 2007

4 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

ESPAÇO DA OBRA OU DO PÚBLICO? por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief, Marcelo Gandhi


Projeto Filtro - para Vergara. NY 1972, de Hélio Oiticica (1937-1980)

Uma visita a uma exposição é também um percurso corporal e não somente visual. O espaço em si é um produtor de sentido e interfere e interage na experiência sensorial de quem a visita.
Na arte contemporânea, o espaço físico é um elemento construtivo da obra tão importante quanto era o pincel ou a tela para outros artistas. No final dos anos 60 essa questão é confrontada com as novas formas de exposição. Joseph Beuys, Lygia Clark foram pioneiros em abolir a separação entre o espaço da obra e o espaço do público e de lá para cá presenciamos uma evolução na forma de expor.


A apresentação de uma exposição merece tanto cuidado quanto a produção de uma obra. A montagem pode dar maior vigor às obras como pode enfraquecê-la. Um montador necessita ter noção de espaço e estar sintonizado com o artista ou com o curador. O espaço e o tempo, segundo Jean Davallon*, são suportes do ato de visitação. O sujeito que levanta o peso da obra, não é o montador. É preciso uma totalidade onde as obras dialoguem na construção de um discurso com coerência interna que presume significações ao público.


Reconfigura-se o espaço expositivo em função dos objetivos do curador ou do artista, mas não é a arte que deve adaptar-se ao espaço. Outro questão é sobre a manipulação e manuseio das obras, o transporte, acondicionamento, conservação e outros aspectos que devem ser pensados por um montador a fim de evitar danos à obra. Infelizmente ainda não temos em Natal esse profissional ou instituições públicas que invistam em todos de todos estes aspectos.


O IX Salão de Artes Visuais da Cidade do Natal teve, nessa edição, a feliz participação de Civone Medeiros. Sua montagem deu coesão ao conjunto das obras com um estudo cuidadoso. O campo das artes visuais passa por um constante processo de profissionalização e ampliação de suas fronteiras, especialmente nas áreas específicas ligadas à produção de exposições, à curadoria, à museografia, à expografia e aos projetos educativos. É urgente investir na qualificação desses profissionais.


Já a cidade como espaço oferece um entrelaçamento de diferentes possibilidades de exposição que foge dos usuais ambientes institucionais e permitem ao cidadão a visualização de uma arte que interage com o espaço público e provoca novas formas visuais, além de relações e reflexões entre o expectador, a arte e seu fluxo de vida.

• Jean Davallon é professor, diretor de pesquisas e responsável pela Escola Doutoral Espaço, Tempo, Poderes e Práticas Culturais na Universidade de Avignon, onde desenvolve pesquisas sobre o patrimônio, as instituições culturais e os processos de recepção.

Em 20 de novembro de 2007

3 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA


Autorretrato en Llamas, 1999.Lino-cut, por Félix Ángel.


CURADOR, CURATOR, CUIDADOR? por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi



O crítico de arte Olívio Tavares de Araújo cita a expressão necessidade interior, a partir do referencial de Kandinsky, para aplicá-la sobre a obra de Iberê Camargo, no livro O Olhar Amoroso – textos sobre arte brasileira, comentando que é isso o que gera o ponto de partida para qualquer arte verdadeira.


Essa necessidade interior do artista, não se traduz em palavras, mas no próprio material vivencial da obra. Na sua leitura, no seu olhar e suas particularidades. Já na introdução do livro, Olívio, cita que há várias maneiras de relacionar-se com a arte e com a vida e não há como dissociá-las por que fazem parte uma da outra.


Nesse campo de ‘relacionar-se com a arte’ podemos seguir pensando nos agentes existentes: artistas, montadores, críticos, público, concursos e salões, instituições culturais, editais, entidades governamentais de cultura, políticas públicas, a mídia especializada, marchands, galerias, ateliês, coletivos, o curador. Várias pessoas e elementos diversos (porque também estamos falando de relações de poder) que existem formando o sistema de arte.


Um dos profissionais ligados a esse meio e que muitas vezes é visto como uma figura emblemática e até controversa é o curador. Apesar de existir no meio artístico há muito tempo, inicialmente esse profissional estava vinculado a museus com o objetivo de preservar coleções e atuar neste campo institucional.


No sistema de arte, o curador define o eixo conceitual do projeto: aquilo que deseja colocar em foco, que acredita ser merecedor de visibilidade, de pôr em discussão. A questão que coloca em risco a atividade é o crescente sistema de banalização, que ainda pior, não é restritivo a essa área. Mas cabe ao curador a responsabilidade de dar coesão no processo nevrálgico de seleção das obras, além da coerência entre proposta e suporte, a relação conceito/linguagem, as materialidades e imaterialidades presentes e, principalmente, o quanto que a obra é capaz de realizar provocações no observador. Tudo isso funciona como fio condutor do evento.


Como profissional, necessita de profundo conhecimento da história da arte, das percepções variadas, consciente das individualidades e coletividades, das linguagens contemporâneas, idéias, culturas, realidades sociais, das novas manifestações artísticas, dos sistemas, poéticas, novas tecnologias etc.


Nessa banalização manifestada, discursos não sintonizam com obras, com espaços físicos, com propostas e conceitos. Apresentam-se como um balaio de misturas ilusoriamente defendidas como diversidade artística. O trabalho de um curador necessita de concentração e análise crítica referenciada, domínio, precisão e articulação, conservando lirismo, sensibilidade e abertura na condução da unidade que vai favorecer o percurso do expectador até seu julgo com deleite, como diria Goethe.


Não podemos deixar de situar que os agentes deste sistema inserem-se em um mercado capitalista, midiático, oportunista e severamente disfarçado de todo tipo de discurso em meio a situações de poder, às vezes difuso naquela tentativa de mais complicar do que gerar reflexões, ignorando a verdadeira natureza da arte e isolados do mundo real.


É urgente pensar em exposição contextualizadas! Favorecer as percepções, análises críticas, reflexões, incentivar novos espaços de informação que abarquem os novos formatos de pensamento não-regulados e criar hábitos para que a cultura seja a referência.


A curadora Chuz Martinez, relata que o curador deve saber o que lhe interessa, quais discursos deseja impulsionar, e como estruturar suas exposições para que o resultado não seja um desfile de obras mas sim uma análise das perguntas que certas práticas artísticas suscitam, lembrando que não existe um "curador independente": a prática curatorial é sempre dependente de instituições e contextos específicos, da rede da cultura, de interrelações.


Fora do sistema formal de arte, a presença do curador não assume a projeção a qual lhe destinam as instituições. Coletivos, artistas, salões independentes, grupos e redes de discussão e até mesmo galerias contemporâneas que fogem aos padrões oficiais, partem para além dos velhos questionamentos sobre os processos individuais e excludentes. Seguem na formatação de novas propostas de sustentabilidade e são percebidas pelas instituições que buscam essa proximidade com a cidade viva e complexa, habitat do artista urbano e da linguagem direta que tem com o cidadão, muitas vezes distante de todo o sistema de arte.


A proposição desses outros agentes segue em sintonia com uma nova formação de consciência coletiva crítica, ativista, de discussões abertas e libertárias em favor da arte sem necessidade de legitimação, muito mais preocupado com as práticas sociais, políticas, humanas, ambientais através de sua linguagem artística e de um encontro direto da necessidade interior do artista com os diferentes grupos situados na coletividade.


Em 13 de novembro de 2007

2 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA




GRAFITE: DA RUA À GALERIA


Em 2006, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) institucionalizou o projeto Grafite, que teve início em 2001, com o objetivo de valorizar a expressão e evitar vandalismo nos trens e estações da empresa. Segundo a CPTM, entre 2003 e 2005 houve uma queda de 42,1% nas ocorrências de pichações, enquanto que o vandalismo caiu para 62% no mesmo período. A empresa adotou políticas de parcerias com organizações não governamentais, artistas grafiteiros e ofereceu espaços para ocupação.


Este ano, durante as comemorações do centenário da imigração japonesa, a prefeitura de São Paulo, mais uma vez, saiu na frente em relação às políticas públicas em relação à arte urbana. Criou o projeto Olhar Nascente, no qual grafiteiros foram convidados a elaborar uma série de murais pela cidade celebrando e relatando através do grafite um resumo histórico da cultura japonesa – da religiosidade à alta tecnologia. Galerias como Choque Cultural e Fortes Villaça já há algum tempo abriram suas portas para o grafite, que já é chamado de novo muralismo brasileiro. Os grafiteiros são convidados para fazer cenários de desfiles de moda, fachadas de lojas, paredes de casas noturnas e decoração de apartamentos.


Fora do Brasil, um dos nomes pioneiros que se destacaram na década de 1980 foi Keith Harring, com uma temática urbana e homoerótica. Hoje suas obras valem milhões. No Brasil, a dupla paulistana Osgêmeos (escreve-se assim mesmo, tudo junto), Otávio e Gustavo Pandolfo – têm seus grafites espalhados por toda a cidade e tiveram suas obras participando de galerias no mundo todo.


O berço do grafite é o final da década de 1960, com a turma do bairro de Bronx, Nova Iorque (EUA), que estabeleceram esta forma de arte, usando tintas spray. Para muitos, o grafite nasce paralelo ao hip hop – cultura de periferia, originária dos guetos americanos, que une o RAP (música muito mais falada do que cantada), o "break" (dança robotizada) e o grafite (arte plástica do movimento cultural). Muitos grafiteiros europeus e norte-americanos ocuparam espaços alternativos e conseguiram mostrar suas obras além das fronteiras de seus países. Alguns exemplos desse movimento são: Jean-Michel Basquiat, Keith Haring, Banksy e Kenny Scharf.


Segundo Docinho, grafiteira natalense: “A pixação (forma adotada pelos pixadores, e não ‘pichação’, como manda a norma culta) é a raiz do grafite, que tem sua origem na antiga sociedade romana que utilizava carvão para escrever nos muros protestos, leis e até mesmo profecias. Daí surgiu a palavra graffiti, de origem italiana que significa ‘escritas com carvão’, desde então as pessoas usaram essa linguagem para repassar pensamentos e expressar suas idéias. Posteriormente, os artistas começaram a desenvolver letras e desenhos com cores e formas bem diferentes.


O grafite é usado para repassar sentimentos, mensagens pacíficas, ou a própria arte do escritor urbano (grafiteiro) e tem o objetivo de mudar o cotidiano das pessoas que trafegam pelos centros ou subúrbios da cidade, fazendo com que qualquer pessoa tenha livre acesso a arte em verdadeiras galerias a céu aberto”. E foi com essa intenção que Osgêmeos grafitaram trens nas capitais nordestinas, no primeiro semestre desse ano. Aqui em Natal, pintaram o trem que vai para Ceará-Mirim.


Ainda segundo Docinho, “O governo precisa investir mais na cultura e no que realmente chama a atenção da juventude. A cidade está poluída visualmente por propagandas de políticos, de empresas, cartazes de eventos e os mais diversos tipos de anúncios. Está na hora do governo adotar novas metas que realmente tragam efeito sobre a sociedade e resultados satisfatórios para ambas as partes”.


Para Gabriela Posada, argentina, criada em Pernambuco e residente em Natal, “Estamos em fase de fortalecimento da cultura hip hop potiguar, feita por jovens de diversas periferias da Grande Natal e interior, e nada mais óbvio e provável que algumas pessoas com pensamentos direitistas e caretas, queiram derrubar uma bandeira única e forte, que tem como base os descasos dessa mesma sociedade hipócrita que julga e condena atos de pura arte e protesto! Que é o grafite e a pixação!”


Gabriela, pergunta: ”como separar o pixo do grafite? Não podemos separar a origem (pixo) da atual arte visual crescente. Pois um não vive sem o outro! A assinatura do grafiteiro se chama tag. Então ao terminar um grafite, por mais colorido que seja ele virá acompanhado pelo tag! Esses rabiscos que pessoas tentam decifrar, pois têm dificuldade em ler a escrita! Fazem com que se sintam muito mal em ver as paredes antes branquinhas, como nossos colonizadores, ficarem mais significativas, ou seja, o pixo tem uma força de transmitir algo maior, mais ousado”.


Recentemente, até mesmo a academia abriu as portas para o Grafite. A Universidade de São Paulo (USP) começou a organizar a primeira cooperativa brasileira de grafiteiros, com o objetivo de "profissionalizar" esses artistas. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro.
Hoje já se fala em pós-grafite mas sobre isso, escreveremos numa próxima coluna.

Para saber mais:

· RAMOS, Maria Célia Antonacci. Grafite. Pichação e Cia. Ed. Annabulme: São Paulo.
· www.movimentohiphop1.hpg.ig.com.br/grafite.htm
· http://www.graffiti.org.br/
Em 06 de novembro de 2007

1 FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

DIÁLOGO ENTRE ARTE E PATRIMÔNIO por Sânzia Pinheiro, Marcelo Gandhi e Jean Sartief

Joseph Beyus


O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, em comemoração aos seus 70 anos, abriu edital público convocando a apresentação de projetos que estabeleçam diálogo entre a arte contemporânea e o patrimônio cultural.

O que essa instituição pretende com uma proposta de interação do patrimônio cultural com a contemporaneidade?

Para Afonso Luz, um dos formuladores do edital, há um movimento na própria dinâmica da vida cotidiana que vai além da idéia de globalizaçã, que são as criações de novos territórios de saberes, uma nova malha simbólica, uma nova maneira de experimentar o espaço-tempo. É uma aposta na arte do agora como provocadora de reflexão crítica/criativa sobre os símbolos e os "modos de simbolização que o país adotou".

As exposições, ações, intervenções ambientais, performances criam um novo discurso, que corresponde à nossa atual experiência de espaço e tempo. Nesse tempo, histórico presente, as polaridades se complementam, a desordem é geradora de ordem, os limites são ultrapassados, quebrados, criando uma nova geopolítica e novos territórios, saberes e relações. É preciso um novo vocabulário para pensar e viver esse novo mundo.
Esse é o ponto de gravitação da escrita de Edgar Morin, para quem é urgente uma reforma do pensamento, uma reorganização que permite o contato com uma hiperrealidade, que possamos nos perceber seres biopsicosocioculturais.
Nesse sentido, o projeto Fermentações Visuais tem a pretensão de adensar essa construção com a publicação de textos históricos e críticos que tratem da arte contemporânea e suas possíveis contribuições na contrução desse novo modo de ver, sentir e viver.

Não estaremos aqui com a pretensão de responder nem de apresentar definições fechadas, mas de densar a discussão, provocar diálogos, perguntar e reformular perguntas. Quem é o curador? Qual o estado da arte? Quais os critérios de seleção numa exposição? Onde o colecionador principiante pode encontrar orientação para comprar obras? Como constituir instituições que sejam ume spaço para uma prática voltada para as questões da arte contemporânea? Quais as principais questões que esse espaço poderá estudar? Por que a arte contemporânea é importante na expansão epistemológica?

Ao nos debruçarmos sobre cada questão, estaremos trazendo e problematizando aquilo que é específico das artes visuais no Rio Grande do Norte e as questões mais gerais desse universo, bem como a rizomática que lhe pertence.

Os textos publicados serão de autoria dos coordenadores, de convidados e daqueles que compartilham dessas preocupações.

Acreditamos que aqueles que estão, de alguma maneira, envolvidos na produção da arte atual, são agentes culturais que trabalhamn para que as artes visuais criem um espaço público de reflexão sobre o estado atual da condição humana.


Para saber mais:

CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: Uma introdução. São Paulo. Martins Fontes, 2005.


Em 30 de outubro de 2007