25/01/2008

3 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA


Autorretrato en Llamas, 1999.Lino-cut, por Félix Ángel.


CURADOR, CURATOR, CUIDADOR? por Jean Sartief, Sânzia Pinheiro e Marcelo Gandhi



O crítico de arte Olívio Tavares de Araújo cita a expressão necessidade interior, a partir do referencial de Kandinsky, para aplicá-la sobre a obra de Iberê Camargo, no livro O Olhar Amoroso – textos sobre arte brasileira, comentando que é isso o que gera o ponto de partida para qualquer arte verdadeira.


Essa necessidade interior do artista, não se traduz em palavras, mas no próprio material vivencial da obra. Na sua leitura, no seu olhar e suas particularidades. Já na introdução do livro, Olívio, cita que há várias maneiras de relacionar-se com a arte e com a vida e não há como dissociá-las por que fazem parte uma da outra.


Nesse campo de ‘relacionar-se com a arte’ podemos seguir pensando nos agentes existentes: artistas, montadores, críticos, público, concursos e salões, instituições culturais, editais, entidades governamentais de cultura, políticas públicas, a mídia especializada, marchands, galerias, ateliês, coletivos, o curador. Várias pessoas e elementos diversos (porque também estamos falando de relações de poder) que existem formando o sistema de arte.


Um dos profissionais ligados a esse meio e que muitas vezes é visto como uma figura emblemática e até controversa é o curador. Apesar de existir no meio artístico há muito tempo, inicialmente esse profissional estava vinculado a museus com o objetivo de preservar coleções e atuar neste campo institucional.


No sistema de arte, o curador define o eixo conceitual do projeto: aquilo que deseja colocar em foco, que acredita ser merecedor de visibilidade, de pôr em discussão. A questão que coloca em risco a atividade é o crescente sistema de banalização, que ainda pior, não é restritivo a essa área. Mas cabe ao curador a responsabilidade de dar coesão no processo nevrálgico de seleção das obras, além da coerência entre proposta e suporte, a relação conceito/linguagem, as materialidades e imaterialidades presentes e, principalmente, o quanto que a obra é capaz de realizar provocações no observador. Tudo isso funciona como fio condutor do evento.


Como profissional, necessita de profundo conhecimento da história da arte, das percepções variadas, consciente das individualidades e coletividades, das linguagens contemporâneas, idéias, culturas, realidades sociais, das novas manifestações artísticas, dos sistemas, poéticas, novas tecnologias etc.


Nessa banalização manifestada, discursos não sintonizam com obras, com espaços físicos, com propostas e conceitos. Apresentam-se como um balaio de misturas ilusoriamente defendidas como diversidade artística. O trabalho de um curador necessita de concentração e análise crítica referenciada, domínio, precisão e articulação, conservando lirismo, sensibilidade e abertura na condução da unidade que vai favorecer o percurso do expectador até seu julgo com deleite, como diria Goethe.


Não podemos deixar de situar que os agentes deste sistema inserem-se em um mercado capitalista, midiático, oportunista e severamente disfarçado de todo tipo de discurso em meio a situações de poder, às vezes difuso naquela tentativa de mais complicar do que gerar reflexões, ignorando a verdadeira natureza da arte e isolados do mundo real.


É urgente pensar em exposição contextualizadas! Favorecer as percepções, análises críticas, reflexões, incentivar novos espaços de informação que abarquem os novos formatos de pensamento não-regulados e criar hábitos para que a cultura seja a referência.


A curadora Chuz Martinez, relata que o curador deve saber o que lhe interessa, quais discursos deseja impulsionar, e como estruturar suas exposições para que o resultado não seja um desfile de obras mas sim uma análise das perguntas que certas práticas artísticas suscitam, lembrando que não existe um "curador independente": a prática curatorial é sempre dependente de instituições e contextos específicos, da rede da cultura, de interrelações.


Fora do sistema formal de arte, a presença do curador não assume a projeção a qual lhe destinam as instituições. Coletivos, artistas, salões independentes, grupos e redes de discussão e até mesmo galerias contemporâneas que fogem aos padrões oficiais, partem para além dos velhos questionamentos sobre os processos individuais e excludentes. Seguem na formatação de novas propostas de sustentabilidade e são percebidas pelas instituições que buscam essa proximidade com a cidade viva e complexa, habitat do artista urbano e da linguagem direta que tem com o cidadão, muitas vezes distante de todo o sistema de arte.


A proposição desses outros agentes segue em sintonia com uma nova formação de consciência coletiva crítica, ativista, de discussões abertas e libertárias em favor da arte sem necessidade de legitimação, muito mais preocupado com as práticas sociais, políticas, humanas, ambientais através de sua linguagem artística e de um encontro direto da necessidade interior do artista com os diferentes grupos situados na coletividade.


Em 13 de novembro de 2007

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