02/09/2008

44 - FERMENTAÇÕES VISUAIS - TRIBUNA DO NORTE - TODA TERÇA-FEIRA

A ARTE DA OUSADIA – GUARACI GABRIEL

Por Sânzia Pinheiro, Jean Sartief e Afonso Martins

Foto: divulgação


Seguimos com o projeto verbivisual, criando neste espaço uma área tanto para textos críticos e informativos sobre arte contemporânea, mas, agora, desenvolvendo um encontro com os artistas potiguares e suas obras em um intercâmbio entre seus processos e quem nos lê.

No sábado, 23 de agosto, foi possível visualizar na BR 304, em Mossoró, uma garça gigante de 12 metros de altura, em ferro e com um fusca branco servindo-lhe de tronco. “A ave está com o bico todo ensanguentado, pois foi flagrada no momento em que engolia um homem que passava por ali em sua bicicleta.” Em sua base, um relógio com uma cédula de 5 reais e ponteiros que são a silhueta de um homem e uma mulher marcados pela imagem do DNA. A obra, batizada de ConFerido, nos mostra, com o gênio criativo de Guaraci Gabriel, uma metáfora da ciência mecanicista e a devastação humana. Para onde caminhamos? Essa é uma pergunta crítica que perdura no conjunto das obras do artista.


Ítalo Calvino, em Seis Proposta para o Próximo Milênio, diz estarmos perdendo a capacidade de imaginação. Guaraci Gabriel nos demonstra que não, e produz, initerruptamente, sempre marcado pela monumentalidade. ConFerido está localizada a 500 metros da obra Boca da Noite (2004), que representa o Planalto Central, com 17 m, e é composta por dois fuscas, um virado para cima e outro para baixo, espetados em garfos e facas de ferro. Referências ao fracassado Projeto Fome Zero.


A partir de 1990, inicia uma pesquisa em construções públicas monumentais. Em 1998, executa a maior escultura em sucata do mundo, integrando o Guinness World Records com a obra Guerra e Paz (1998), de 24 metros de comprimento e 50 toneladas de metais cravados na Via Costeira. Alguns anos depois cria a imensa e linda obra A Flor do Tempo, de 17 metros de altura e 10 de diâmetro que foi exposta em Natal (2001), na Bienal do Mercosul (2002) e na Bienal de Havana (2003).


Na obra Raio X, selecionada para a IX Bienal de Havana, reflete sobra a ciência e o homem. Transfere para a lateral dos ônibus de Havana, plotagem de objetos que estariam sendo carregadas pelas pessoas sentadas do lado de dentro (num raio X imaginário), como: celular, objetos, agenda, equipamentos, entre outros. A obra foi parar na Bienal do Fim do Mundo na Patagônia e nessa versão, Guaraci plotou pessoas, entre elas: sua mãe; o artista Jota Medeiros; a romanceira Militana; o editor Abmael Silva.


O conjunto das obras de Guaraci Gabriel divide-se em cernes moldados ao bronze e no cimento; âmagos construídos no aço e no ferro e um terceiro, e signifcativo, que é aquele produzido com o lixo da indústria. Obras que exigem equipamentos de peso: guindastes, britadeiras, empilhadeira, caminhões. Uma engenharia, que requer pesquisas envolvendo a física, a tecnologia, o cálculo, a compreensão da malha administrativa da cidade e a coordenação de dezenas de operários.


Além da própria criação, Guaraci tece na maioria das vezes, como quase todos os artistas potiguares, as condições de financiamento das próprias produções de suas obras. Na produção de Crucifixo Coação em Cristo de Escape, ele seguia nos ônibus, nos escritórios e na Governadoria do Estado vestido de rei em busca de financiamento. Na individual Nona Dimensão (2000), o artista vestiu-se de Calígula que e recepcionava os observadores que iriam apreciar o corpo de um cavalo em estado de putrefação na Pinacoteca do Estado, como protesto às instituições que lhe haviam negado patrocínio para a realização da obra Guerra e Paz e que, nove meses depois, é pago ao patrocinador do artista, seis vezes mais do que o solicitado, como patrocínio, para a retirada da obra.


Guaraci realiza grandezas e inquieta-se o tempo todo, sem abrir mão do amor e da paixão, condições essenciais para a sua existência, porque sabe que a intervenção e a performance são políticas, são culturais e são artísticas. A singularidade da Arte Contemporânea consiste em reconhecer e tecer caminhos na complexidade da sociedade e do homem no espaço-tempo presente.
publicada em 02 de setembro de 2008

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