05/10/2008

15 ANOS DO TORREÃO, EM PORTO ALEGRE/RS


Reproduzimos hoje um texto da professora Marítlia Panitz, da Universidade de Brasília, publicado no site da Fundação Iberê Camargo, sobre os 15 anos do Torreão, espaço de arte contemporânea independente, existente no RS, que é um dos referenciais para todo o País.

No Brasil, muitas e ricas experiências com espaços independentes têm oferecido, aos olhares atentos, propostas ousadas e definidoras para a discussão do circuito de arte, em especial sua democratização e sua função social. O que ocorre, porém, é que a manutenção dessas iniciativas é uma tarefa difícil financeira e estrategicamente. Muitos delas deixam documentação de suas propostas – o que é precioso – através de suas publicações, quase sempre efêmeras, mas certamente riquíssimas no que tange à provocação do questionamento em torno da arte contemporânea. Mas o fato é que suas atividades raramente se mantêm por muito tempo. E seu fim costuma deixar aquela tal sensação de vácuo, de falta do que acabamos de experimentar e não adivinhávamos a necessidade.

Dentro desse panorama é que a existência do Torreão constitui-se numa felicíssima exceção à regra. Há quinze anos em atividade constante, fora do eixo Rio-São Paulo, em Porto Alegre, mantém uma série de ações, que têm se mostrado das mais interessantes na cidade e que provocam o olhar do país (e do exterior) em sua direção.

Dirigido pelos dois artistas (esse é um dado central) Elida Tessler e Jailton Moreira, o Torreão ocupa dois andares - ou melhor, um andar e uma torre – de uma antiga residência em estilo eclético, no bairro do Bonfim. O térreo e o primeiro andar permanecem como moradia da família (o que lhe dá um caráter certamente intimista, às vezes de improviso, dentro da extrema seriedade do trabalho).

Quando penso no Torreão (e gosto muito de pensar no Torreão), tendo a criar uma categorização de ações que me parecem a fórmula equilibrada de sua permanência:


A Torre:


Em 1993, Elida volta de seu doutorado. Ela e Jailton criam um atelier-espaço-de pensar-arte. A casa tem uma torre. Ela será o grande local de experimentação-intervenção para artistas dos mais diversos lugares. Elida a inaugura. Daí, as leituras, releituras, diálogos, aproveitamentos diferenciados daquilo que o espaço propõe sucedem-se: seis por ano, pelos seus quinze anos. Muitas das propostas reinscrevem a torre sobre ela mesma ou em outros espaços. Outras partem dos 360º de paisagem urbana que ela oferece: a trazem para dentro da sala, perscrutam os espaços contíguos, projetam a casa no entorno. Alguns trabalham com a intimidade da casa. Outros subvertem sua arquitetura: a atravessam, transformam o chão em água, descem o teto quase ao chão, seguem o corrimão como labirinto, eliminam janelas, transformam suas paredes, teto e chão em base para inscrições múltiplas... Outras a ocupam temporariamente, sutilmente. Essa proposta trouxe parceiros para o Torreão: como o Goethe Institut ou como artistas de diferentes procedências. Hoje o espaço é referência para propostas de intervenção. Não há um investimento maior em divulgação; a informação circula. Muitas vezes é preciso marcar hora para ver o que a torre traz, mas isso não é impedimento. O Torreão subverte o cânone da galeria: requisita o desejo de ver. Se oferece... para quem quer ver.


A oficina:


No andar abaixo da torre, dois grandes espaços, duas salas, vários pequenos cômodos. Atelier de experimentação para artistas (os mais constantes recebem a chave do local). Produz-se arte, discute-se arte. Há os cursos organizados por Jailton (que hoje já são conhecidos e solicitados por várias instituições e grupos no Brasil). Com uma estrutura única e um material visual extraordinário, a atividade tem formado muita gente em Porto Alegre (e dado uma idéia de sua potência, Brasil afora).


A sala de ver-ouvir:


Em uma sala pequena, com cadeiras herdadas de diversos doadores e uma TV de 29’, a biblioteca-mediateca do Torreão é impressionante. Sua coleção de DVDs de artistas, coletados pelo mundo todo, tem um acervo que poucas outras igualam, com tantos e tão interessantes títulos. Livros e catálogos oferecidos por artistas e instituições estão ali para consulta. Há também os encontros com visitantes que falam sobre os mais diversos assuntos. Circulação de conhecimento, circulação de dúvidas, circulação de novas idéias.


O(s) campo(s):


A atividade que talvez seja a mais inovadora (certamente é a mais curiosa, surpreendente) do Torreão, são os ateliers que se deslocam, o “Atelier Aberto” coordenado por Jailton Moreira e que acontecem anualmente (já têm mais de dez versões). Assim, o grupo de artistas-pesquisadores pode se deslocar para o deserto do Atacama, no Chile, ou para o pampa gaúcho. Lá o que se faz é experimentar intervenções poéticas na paisagem, coletivas, individuais. Tive a oportunidade de ver algumas das documentações desses deslocamentos. Embora eles também se constituam em viagens para ver arte (este ano, o grupo foi para a Itália e Espanha com o objetivo de visitar obras muito específicas, nada mais distante das grandes visitas genéricas a museus), quando vão para o embate direto com a paisagem há algo que parece se apresentar como pergunta constante: qual a função da intervenção poética? Qual a função desse esforço voltado para si mesmo, na imensidão do horizonte onde o grupo se deixa ficar, pequenas inserções na imensidão da natureza. Ousadia de colocar uma pontuação, ali, fortuita, mas que muda o pensamento sobre arte... muda o olhar.


E então, quando se enumera as ações do Torreão, é uma surpresa (e uma felicidade). Um mistério, talvez. Em um segundo olhar o que se pode ver é a eficácia de se acreditar no trabalho e a competência em conduzi-lo. Assim, sem muita eloqüência, sutilmente, efetivamente. Trabalho de artista. De dois (grandes) artistas... Longa vida ao Torreão...


Marília Panitz Professora da Universidade de Brasília e Curadora independente.

Um comentário:

joao v p disse...

fez-me lembrar o pouco tempo que participei do curso com o jailton que por motivo muito importante e imprenssindivel tive que abandonar;mas e muito bom lembrar dos tubos de madeira subindo pelas ate sair pela janela do torrea(obra de eduardo frota artista nordestino que me apresentou para jailton)ou um par de asas como se tivessem soltas dentro do torreao,e aquelas fotos como a de bolas de algodao penduradas na ponta de fios linhas e muitas outras ,essas sao algumas coisas que encotrei nesta casa que muito me marcou ,partindo de um bico de marceneiro para um curso com jailton como padrinho o eduardo me sinto um previlegiado ,parabens pessoal torreao pelo aniverssario e que esta casa tenha muita saude para continuar essa vida muito bonita.